FLY0063 Data Referência Arquivística Resumo Local Cartas relacionadas Download XML Download em formato PDF |
Texto Fl. [1]r 5 de Agosto de 1967 [N] Estou a escrever-te algures no alto mar onde navegorumo a África. São quase sete horas da tarde e estou estendido na minha cama, no camarote que me foi atribuido. Há seis horas e meia que vamos a andar. A saída verificou-se eram meio dia e vinte minutos. Ainda bem que não vieste ao meu embarque. É realmente um espectáculo impressionante e extraordinariamente chocante! Tu, [N], no estado em que andas, não aguentavas, era demais para ti. Ainda bem, ainda bem que as coisas se proporcionaram para não vires. Apesar de ser homem, de toda a preparação psicológica que fiz, de só ter vindo ao meu embarque o meu irmão e as minhas primas, e de aguentar bem coisas deste género, eu não consegui suster uma lágrima rebelde a culminar a intença emoção que sentia. Havia gente a chorar como crianças. Aqueles lenços a acenar, aqueles gritos, etc etc criaram um ambiente macabro mesmo. Bolas! Coisa medonha e então com música..! A minha despedida em casa da minha tia, da minha querida mãe foi também quase que dramática. A mãezinha chorava e gritava, não sei como con segui aguentar. Compreendo a minha mãe, ela sofre muito com a minha saída, ajuda-a em tudo o que puderes. O meu irmão também chorou, realmente o ambiente estava irresistível! As minhas instalações no barco são óptimas. Este paquete é formidável. Eu não fazia uma mini Fl. [1]v na ideia do que isto era. É autênticamente uma cidade flutuante. Vou dizer-te algumas coisas, pelas quais podes já fazer uma ideia disto. O camarote de 1ª onde vou, assim como os outros, têm três camas, com colchões molaflex, tem quarto de banho privativo com água quente e fria, telefone, campanhia ar condicionado, ventoinha, um guarda-fatos, mesinhas de cabeceira, etc etc. Mas tudo do melhor e com um luxo extraordinário, um conforto, uma decoração e um arranjo extraordinário. A comida é óptima, ao almoço tivemos acepipes à base de "hors d'ouevres", depois sopa de legumes, depois um prato de peixe cozido com batatas, depois bife grelhado com batatas fritas, depois sobremesa de queijo, bolo e fruta! É demais! Temos um bar em que há de tudo, com um luxo formi dável, uma sala de chá e "dancing" em que se toma chá e bolos às 17h e se ouve o conjunto privativo do paquete. Isto é enorme e extraordináriamente luxuoso, só vendo é que se pode fazer uma ideia [...] real. Piscina, esplanada, cinema, etc etc. É um luxo. Amanhã passamos pela Madeira, mas só estamos duas horas, não poderemos sair do barco, mas sai o correio. Não tenho selos para pôr nesta carta e na que escrevo para casa, mas devo arranjá-los na Madeira. Já não posso visitar o sr [N] como esperava. Querida [N] então o que te disse a médica? O [N] disse-me que tu lhe contaste que ela te ralhou imenso por não teres já lá ido e te proibiu de mexer nos livros durante um mês. Eu não te dizia? Quem tinha e tem razão? Desleixaste-te Fl. [2]r [N] e eu já ando há uma série de tempo atrás de ti. [N], por tudo te peço, que agora sigas rigoro samente o tratamento que ela te indicou. Não menosprezes o que ela te disse, colabora para te curares. Gostava tanto de estar ao pé de ti, só que fosse um minuto para te pedir face a face isto mesmo, porque sei que tu não o recusarias e prometer-me-ias fazer tudo o que a médica te indicou. Não eras capaz de me recusar isso e prometendo me eu sabia que tu cumpri-lo-ias. [N], nem que seja preciso tu deixares de fazer as cadeiras em Outubro e portanto tens de andar mais um ano. Para te curares sacrifica tudo, inclusivé um ano que podíamos casar mais cedo. Pela minha parte estou disposta a tudo, a todos os sacríficios, para te ver com saúde. Já te dizia ontem na carta, que te amo totalmente e quero ser totalmente feliz contigo e sem saúde... .Faz o máximo que puderes Depois de saber isto, como calculas fico preocupadíssimo contigo, e sem saber mais notícias...Logo que possas conta-me tudo àcerca do teu estado e trata-te [N], trata-te meu amor. Ofereço este sacrifício da minha comissão em Angola por ti. É preciso cola borares para que eu sinta que esta oferta não é em vão. Ainda não sei nada mais àcerca da minha vida. Não sei para onde vou nem para o que vou. Tenho de me apresentar em Luanda, no Quartel General no dia em que chegar e de lá é que me dão o rumo. Se Deus quiser será para um sítio bom ou para ficar em Luanda mesmo. Vamos a ver o que me espera. Fl. [2]v A viagem ao que dizem demora 9 ou 10 dias neste barco. Logo que chegar a Luanda e souber o meu S P M imediatemente tu enviarei. Concerteza que não escreverei mais nenhuma vez antes de chegar a Luanda, porque só tiram o correio quando se para nalgum porto, o que nesta viagem até Angola, só acontecerá amanhã na Madeira. Nada mais por hoje, [N] Adeus, estou sempre contigo [N] P.S.Dá cumprimentos meus aos teus pais, à [N], ao [N] e ao [N]. Contexto Guerra colonial Palavras Chave Tipo: notícias Suporte Material Suporte:
duas folhas de papel pautado de 32 linhas escritas em ambas as faces.
Créditos Transcrição: Ana Guilherme Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com |
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