FLY0068 Data Referência Arquivística Resumo Local Cartas relacionadas Download XML Download em formato PDF |
Texto Fl. [1]r Luanda, 28 de Setembro de 1967 [N] Pedi para sair mais cedo do quartel, eram cercade cinco e meia e normalmente só podemos sair às seis horas, quando acabamos os serviços e a instrução. E pedi autoriação para sair mais cedo precisamente porque precisava de enviar umas coisitas para aí pelo correio. Mas cheguei aos CTT e disseram-me que aquilo que eu pretendia enviar tinha mais de meio quilo e este é o limite máximo para o correio de avião registado via CTT. Disseram-me que só numa outra secção chamada Encomendas Postais eu poderia enviar aquelas coisas. Fui lá mas com tanto azar, que já havia fechado às cinco. Nem me desfardei nem nada para ir fazer aquilo e afinal apanhei um "barrete". Fica para amanhã, amanhã tenho de pedir outra vez para sair mas tenho que ser mais cedo. Como não tinha mais nada que fazer na Baixa e como também já era tarde para regressar ao quartel, vim para a Messe de Oficiais e aqui estou à espera que abra o refeitório para ir jantar, que é as sete. Aproveito este espaço de tempo para come çar a carta para ti, que certamente já não aca barei a tempo de ir por no Correio para ir no avião da manhã de amanhã e nesse caso só irá no sábado à noite. Há hora que saí do quartel ainda não tinha chegado o correio, por isso não sei se tenho ou não correspondência. Só daqui a uma hora o saberei. Olha [N], sábado ou domingo, ainda não sei, Fl. [1]v certamente, que irei ter a oportunidade de conhecer mais uma vasta zona de Angola. Mas desta vez sem correr o mínimo perigo e até uma viagem bem agra dável e que faço com muito gosto e muita curio sidade. Vou de viagem até Nova Lisboa. Vou acom panhar um grupo de soldados recrutas, que acabaram aqui a instrução básica e vão transferidos para Nova Lisboa onde vão tirar diversas especialidades. Como o grupo é grande e se torna por isso necessário a ida dum oficial a comandá-lo, fui convidado para isso e aceitei com agrado, embora neste mo mento não esteja ainda definitivamente assente. É uma oportunidade, talvez única, de conhecer o sul de Angola que dizem ser estupendo. Vou armado em turista, com máquina fotográfica e tudo! A viagem é feita em autocarros militares usados para fins semelhantes. Oxalá, que assentem definitivamente em ser eu a ir, pois não vou dependente de nin guém, eu é que vou a dirigir e tenho toda a liberdade de acção. Gosto de viajar e de conhecer coisas novas. Serve-me até inclusivamente para mudar de ambiente e de ares, que isto satura ao fim de algum tempo. É sempre a mesma paisagem e as mesmas coi sas, todos os dias, quer sejam de semana, quer no fim de semana. Veio mesmo a calhar bem esta viagem. Certamente tudo correrá bem e darei a viagem por bem empregue. Apesar de a responsabilidade ser ainda um bocadinho. Ao que me dizem irei passar em sítios estupendos, entre eles a barragem de Cambam be e o Colonato da Cela. Em Nova Lisboa sei que há muita gente da Pampilhosa mas como não sei moradas deve ser difícil encontrar quem quer que seja. O regresso deve ser terça-feira. Depois contar-te Fl. [2]r -ei pormenores da viagem. Continuo a carta na sexta. São dez da noite e recebi há pouco uma carta tua. Afinal já sei que a ida para Nova Lisboa é no domingo de manhã cedo. Então como correu o exame? Há hora a que estavas nele lembrei-me de ti. Não me podias esquecer. Quando receberes a minha carta certamente na segunda, já fizeste a Puericultura. Manda-me dizer como correu. Sabes bem que fico ansioso por saber notícias tuas. Quando contas que saiam as notas das escritas? As orais são logo a seguir, certamente. As aulas no Instituto quando começam? Então, [N], a tua saúde? Regozijo-me com o facto de não te ter tornado a doer o estâmago e a cabeça. Só os nervos continuam muito por baixo. Tem muito cuidado. E já agora quero "ralhar-te" por não teres ido à médica no dia 15, como ela te mandou. Parece impossível [N]! Andas positiva mente a brincar com a tua saúde, e acho que não deverias brincar com ela. Se te mandou lá ir, porque não foste? E não venhas com justificações de faltas de tempo e de disposição. O tempo arranja- se e a disposição adquire-se, é preciso é vontade de te curares, e pelo que fazes, leva a crer que a vontade é mínima. Nem mais um dia passes sem lá ir, senão fico aborrecido. E não posso, querida [N], deixar de te dizer estas coisas, mas tu não estás a proceder bem. Já consegues dormir de noite? Para não conseguires dormir noites seguidas, calculo o estado em que estás! Isto assim, [N], não pode continuar. Não podes ficar assim e andar sempre na mesma. Tens de procurar uma cura, tão rápida e eficiente Fl. [2]v quanto possível. Assim não é vida! Se eu aí esti vesse obrigava-te, percebes?, obrigava-te a ir aos mé dicos. Assim ninguém te obriga, é o que se vê! Podes crer [N] que ando preocupadíssimo contigo. É que penso que já andas nesse estado há mais, muito mais de meio ano! Foi práticamente desde que começámos a namorar! Ainda se fosse uma coisa de um mês ou dois, agora de oito ou nove meses, é demais! Não podes continuar assim. E não me digas na tua próxima carta para não me preocupar tanto contigo e não sei que mais, que sabes bem que tenho que me preocupar. Só não me preocuparia se tu não constituisses nada para mim. Se fosses o meu passatempo. Mas não, és a minha namorada e hás-de ser, se Deus quiser a minha mulher e como tal não é só a partir do momento em que nos casamos que passo a preocupar-me com a tua saúde. Enten des [N]? Já te disse que te quero com todas as tuas virtu des e todos os teus defeitos, assim como te quero com toda a tua saúde e as tuas doenças. A minha decisão é inabalável. Mas agora também quero é que tu faças o máximo por curares as doenças de maneira, a se possível, só existir a saúde. Acho que fui bem explícito, meu amor. E, como tem estado o ambiente em casa, [N]? Tens de compreender que é natural esse comportamento por parte dos teus pais. Eles não estão preparados, assim como não estavam os meus e os da imensa maioria da malta nova. Tens de suportar e encarar isso com naturalidade, sem te aborreceres e desanimares. Não podes, querida [N], cair em Fl. [3]r estados semelhantes àquele em que estavas quando me escreveste a outra carta, em que me dizes que já tanto te importa passar como reprovar e não sei que mais, que já não tens vontade de estudar, etc. Isto não pode acontecer, [N]. Oh [N], lembra- te que há gente que sofre ainda mais do que tu e aguenta estóicamente. O exemplo de Cristo mantém-se vivo. Há que saber sofrer e saber aguentar. É todo esse desânimo, que envolve horas de meditação e p mil e um pensa mentos que te arrasa e dá cabo de ti. Não pode ser [N], não pode ser. Tens de ser forte. Não se pode desanimar com as dificuldades que apa recem, sejam elas de que envergadura forem. Faz- se por vencê-las, se conseguirmos formidável, se não conseguirmos paciência. Nesta altura tudo te tem sido adverso, eu sei [N]. Mas há que confiar em dias melhores, e ter calma e esperança. Isso é para as pessoas que não têm Fé, mas tu tens. Olha [N] eu passo aqui uns bocaditos nada bons principalmente pela solidão e isolamento e por causa das saudades de ti, da minha mãe e do meu irmão. Eles tem problemas e tu tens problemas. E pensa bem [N] o que é eu estar aqui longe sem vos poder ajudar e sentir a responsabilida de de uma lar, do bem estar da minha mãe e do [N] e da educação dele. Eu esqueceria tudo isso, se enveredasse pela vida que alguns levam. Teria uma vida cheia, em contraste com a solidão de agora. Mas cheia de quê? E pensando nisto, digo a mim mesmo não. Não teria problema, mas antes os quero ter, seria cobarde fugir deles. E daqui a alguns meses irei até ao mato. Fl. [3]v Estás a ver se eu fosse a desanimar com tudo isto, o que faria? Só uma solução haveria, por ter mo à vida. Mas não, longe de mim tal pensamento. Tenho momentos de desânimo, mas logo recupero. Vem-me a esperança em dias melhores e baseio-me na fé. Tem de ser assim, [N]. E quantos "coices" um indíviduo leva nesta vida! Há que sofre e aguentar! É assim a vida! Perguntas-me se a especialidade vai ser pior ou melhor que a instrução básica. Vou contar-te tudo para perceberes. Aliás pedes-me uma carta para te contar tudo, para não te ocultar nada e eu assim faço. Como te digo, lá em cima, irei para o mato daqui a uns meses. É verdade, lá para fins de Janeiro dsigo uma companhia para o Norte, ainda não sei para onde. Ora os homens que vou levar comigo são aqueles a quem vou dar agora instrução de especialidade. Como tal e como sou eu que vou com eles tenho todo o interesse e toda a vantagem em os preparar bem. Como tal há que puxar, tem de ser, esta instrução é mais puxada que a que acabei de dar. Mas não há problema, pois estou preparado para tudo. É preciso é calma. [N] disse-te isto porque te digo tudo. Mas peço-te que não fiques para aí preocupada pois não há razão para isso. Nunca toques no assunto à Mãe, pois ela não tem qualquer vantagem em saber isso, como deves compreender. Depois há tempo de ela saber que fui "passar férias" ao Norte. Confio em ti, pois já em relação ao teu irmão, quando estava na Guiné se passaram coisas indênticas e Fl. [4]r vocês não contaram à vossa mãe. O K meu amor? Agradeces-me [N], a ajuda que te dei etc. Já sabes que entre nós não há agradecimentos. A obrigação de ajuda está implícita no nosso amor e é obrigação mutua. Disse-te tudo aquilo porque te quero muito, te amo muito, tu bem o sabes. Inclusive a hipótese que te apresenta va de casarmos embora levantado imensos pro blemas, era dentro desse espírito. Acho bem o que resolveste fazer. Deus queira é que realmente as coisas se passem de maneira a teres de falar aos teus pais. Era sinal de que tinhas passado! Eu confio que sim. Bem [N], já me alonguei demasiado. Hoje estava com disposição para escrever. É pena é só ser às vezes. Dá cumprimentos meus aos teus pais, à [N], ao [N] e ao [N] e igualmente a todas as moças amigas. Adeus [N], estou sempre contigo. Muita sau dade do sempre teu [N] P.S.P S- Vão mais três fotos. Sempre que puder envia (a)rei. Actualmente tenho um "stock" grande. -Deverei escrever de Nova Lisboa. Mas se não escrever já sabes a razão. (a) Não sei se gostas ou não que te envie fotos. Das que vão hoje, uma é junto dum monumento que existe aqui no quartel, outra tirada na fortaleza de S Paulo virado para a cidade e a outra tirada no de instrução com o camuflado. (volta) Fl. [4]v P S-Se o chá tem feito bem a ti e a [N] eu mando mais. Diz-me logo que quiseres. Sabes bem que ficarei imensamente aborrecido se não me pedires para mandar mais e ele ter feito bem. [N] Contexto Guerra Colonial Palavras Chave Tipo: reprimenda Suporte Material Suporte:
duas folhas de papel pautado de 32 linhas escritas em ambas as faces.
Créditos Transcrição: Ana Guilherme Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com |
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