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Texto Fl. [1]r Luanda, 31 de Outubro de 1967 [N] Estou a começar esta carta para ti são quasedez horas da noite de terça para quarta, noite em que certamente a minha mãe estará ininterrupta mente a chorar junto à campa do meu querido pai. Sinto-me triste por não poder estar com ela a compartilhar do seu sofrimento e em conjunto estar também a pedir ao Senhor que a alma do meu querido pai vá para o Céu. É um dia, mais do que a maioria dos outros, em que o embora o meu corpo aqui esteja, o meu coração e o meu pensamento estão bem aí na [L], no cemi tério, em casa, a teu lado diante do livro de Serviço Social, talvez. "Recordar é viver" diz o "slogan" popular, mas eu modifico um pouco a dizer "sonhar é viver". E cá vou vivendo...com a ajuda de Deus Antes que me esqueça, vou dar-te o número da fotografia que me deste, é o 84442. Hoje recebi a tua carta que escreveste no sábado. Ontem havia recebido o teu aerograma. E só o recebi ontem porque não estive em Luanda no fim de semana. Efectiva mente neste fim de semana fui aproveitar um convi te que me foi feito por um furriel da minha com panhia e fui passear mais outro alferes e outros dois furrieis até à cidade de Salazar. Fica entre o Norte e o leste de Angola é o centro da região do café de Angola. Em distância fica a 280 Kilómetros de Luanda, e é servida por boa estrada. É uma cidade pequeni na mas muito bonita situada numa região extrema Fl. [1]v mente bonita, com paisagens maravilhosas. Gostei muito da viagem, das visitas que lá fiz e da estadia. Saí mos de Luanda no sábado depois do almoço de carro, e regressámos a Luanda no domingo à noite, tendo chegado ao quartel eram quase duas da manhã! Apesar do pouco tempo de Angola já conheço grande parte da Província. Tenho aproveitado todas as oportunidades para esse fim, sem me envolver em grandes despesas. Esse ra paz tem lá casa e lá ficámos alojados e alimentados. Práticamente só pagámos a gasolina. Logo que estejam prontas enviarei umas fotos. A propósito, digo-te que se estragaram, ou melhor estraguei, o rolo das fotografias em que estava a reportagem com pleta da viagem a Nova Lisboa e dos exercícios finais da Instrução básica. Abri a máquina sem o rolo estar todo na "cassete" de maneira que apanhou todo luz, e estragou-se. Fiquei com muita pena, pois a viagem fica sem recordações para a posteridade. Enfim paciência, mas ficou provada a minha inexperiência em matéria de máquinas fotográficas! Então como vai a saúde da minha querida [N]? E a disposição! O teu estômago? E a cabeça? Diz-me se já acabaste o chá que eu envio mais. Com muito que estudar não é? Realmente, apesar de não fazer uma ideia aproximada das dificuldades e maneira como se processa a coisa, acho que tens aí muito que trabalhar e "debulhar", tu e as outras, para conse guirem realizar um trabalho desse género e dessa maneira. Dizes-me que tem de ir aos Serviços Topo gráficos do Exército para vos emprestar cartas topográficas. Só te digo é que os levantamentos topográficos do país que o Exército tem, datam de 1937, de manei Fl. [2]r ra que estão muito desactualizadas! E não me consta que haja mais recentes! Mas há falta de melhor talvez esses vos sirvam. Querida [N] fico impressionado como con segues passar meses sem ver televisão, cinema e passear. Isso só te faria bem se o fizesses de vez em quando. O problema da companhia é realmente im portante mas não é insolúvel. Por exemplo diz ao António, quando quiseres ir à televisão, que ele vai buscar-vos a casa. Eu acho que só farias bem de vez em quando variar de, pois isso causa-te imenso psicológicamente. E [...] de vez em quando há tempo, arranja-se. Tens de sair de vez em quando dessa vida quase conventual. Fiquei aborrecido com o que me contas sobre a minha mãe, sobre o ela ter lido a carta do [N] e saber da minha ida para o Norte. Realmente é um aborrecimento que isso tenha acontecido. Eu correspon do-me com o [N] e normalmente mandei-lhe dizer que iria em Janeiro para o Norte, e não lhe pedi para ele não dizer nada, primeiro por que nunca pensei que ele escrevesse ao meu irmão e segundo porque mesmo que escrevesse nunca me passou pela cabeça que ele lhe mandasse dizer aquilo. A coisa precipitou-se dessa maneira. Embora eu tencionasse dizer à mãe que ia para o Norte, mas era só lá para o fim de Dezembro. Até lá dizia sem pre que não. Assim embora não lhe diga já que vou, vou no entanto preparando-a dizendo-lhe que é uma hipótese. E deste sentido que lhe falo já hoje no aerograma que lhe envio. Tu se ela te disser alguma coisa ameniza o ambiente, como tu Fl. [2]v bem sabes. Queria [N], quanto ao que me perguntas sobre se, estando no Norte 12 meses eu irei ou não passar as férias à Metrópole, ao fim de 1 ano de comissão, digo-te o seguinte. Conto que sim, até porque ao que me dizem é mais fácil obter licença no mato do que no Regimento em Luanda. Portanto, se Deus quiser e se tudo correr normalmente em Julho ou Agosto ou Setembro, ou Outubro, um desses meses eu irei passar contigo, com a minha mãe, com o [N], com os meus amigos e amigas, na minha [L], 30 diazinhos de férias que vão saber tão bem, de mais a mais servindo de descanso ao fim de alguns meses operacionais no mato e como preparação para os restantes. Ainda se continua sem saber quando vamos para cima e para onde vamos. Mas segundo se ouve dizer a data rondará os meados de Janeiro e o local deverá ser Nova Caipemba. Vamos ver se algumas destas coisas de se con firmam. Por agora não passam de boatos. Mas seja como for o que é preciso é a ajuda do Senhor. E eu confio muito n'Ele e sinto-me forte. A preparação do meu Pelotão cá continua. Ainda hoje fomos todo o dia para os arredores de Luanda em exercícios de aperfeoçoamento operacional. Por hoje nada mais [N]. Como estão os teus pais? Dá-lhes muitos cum primentos meus, assim como à [N], ao [N] e [N]. Adeus meu amor, estou sempre contigo, o teu [N] Contexto Guerra Colonial Palavras Chave Tipo: expressão de pena Suporte Material Suporte:
duas folhas de papel pautado de 32 linhas escritas em ambas as faces.
Créditos Transcrição: Ana Guilherme Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com |
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