1967. Carta de amor de um alferes para a sua namorada. De Luanda para [Coimbra](concelho). FLY0070

FLY0070
Carta de amor de um alferes para a sua namorada. De Luanda para [Coimbra](concelho).

Data
31/10/1967

Referência Arquivística
N.A..
N.A., Coleção Particular, FLY0070, Fólios [1]r-v, [2]r-v

Resumo
O autor escreve expressando a tristeza que a morte do seu pai lhe causou e o que sente por não estar perto da mãe; conta também como passou o fim de semana.

Local
Luanda

Cartas relacionadas
FLY0063   FLY0064   FLY0064   FLY0066   FLY0068   FLY0069   FLY0071   FLY0072   FLY0073   FLY0074  
FLY0075   FLY0076   FLY0077   FLY0078   FLY0079   FLY0080   FLY0081   FLY0082   FLY0083   FLY1315  
FLY1316   FLY1317   FLY1318   FLY1319   FLY1320   FLY1321   FLY1322   FLY1323   FLY1324   FLY1325  
FLY1326   FLY1327   FLY1328   FLY1329   FLY1330   FLY1331   FLY1332   FLY1333   FLY1334  


 Download XML       Download em formato PDF



Autor | Destinatário | Contexto | Palavras Chave | Suporte Material | Créditos


Texto

Fl. [1]r

Luanda, 31 de Outubro de 1967

[N]

Estou a começar esta carta para ti são quase
dez horas da noite de terça para quarta, noite em
que certamente a minha mãe estará ininterrupta
mente a chorar junto à campa do meu querido
pai. Sinto-me triste por não poder estar com ela
a compartilhar do seu sofrimento e em conjunto
estar também a pedir ao Senhor que a alma do
meu querido pai vá para o Céu. É um dia, mais
do que a maioria dos outros, em que o embora o
meu corpo aqui esteja, o meu coração e o meu
pensamento estão bem aí na [L], no cemi
tério, em casa, a teu lado diante do livro de
Serviço Social, talvez. "Recordar é viver" diz o "slogan"
popular, mas eu modifico um pouco a dizer "sonhar
é viver". E cá vou vivendo...com a ajuda de Deus
Antes que me esqueça, vou dar-te o número da
fotografia que me deste, é o 84442.

Hoje recebi a tua carta que escreveste no sábado. Ontem
havia recebido o teu aerograma. E só o recebi ontem porque
não estive em Luanda no fim de semana. Efectiva
mente neste fim de semana fui aproveitar um convi
te que me foi feito por um furriel da minha com
panhia e fui passear mais outro alferes e outros dois
furrieis até à cidade de Salazar. Fica entre o Norte e o
leste de Angola é o centro da região do café de Angola.
Em distância fica a 280 Kilómetros de Luanda,
e é servida por boa estrada. É uma cidade pequeni
na mas muito bonita situada numa região extrema
Fl. [1]v
mente bonita, com paisagens maravilhosas. Gostei muito
da viagem, das visitas que lá fiz e da estadia. Saí
mos de Luanda no sábado depois do almoço de
carro, e regressámos a Luanda no domingo à noite,
tendo chegado ao quartel eram quase duas da
manhã! Apesar do pouco tempo de Angola
já conheço grande parte da Província. Tenho
aproveitado todas as oportunidades para esse fim,
sem me envolver em grandes despesas. Esse ra
paz tem lá casa e lá ficámos alojados e alimentados.
Práticamente só pagámos a gasolina. Logo que
estejam prontas enviarei umas fotos. A propósito,
digo-te que se estragaram, ou melhor estraguei,
o rolo das fotografias em que estava a reportagem com
pleta da viagem a Nova Lisboa e dos exercícios finais
da Instrução básica. Abri a máquina sem o rolo estar
todo na "cassete" de maneira que apanhou todo
luz, e estragou-se. Fiquei com muita pena, pois
a viagem fica sem recordações para a posteridade.
Enfim paciência, mas ficou provada a minha
inexperiência em matéria de máquinas fotográficas!
Então como vai a saúde da minha querida [N]?
E a disposição! O teu estômago? E a cabeça? Diz-me
se já acabaste o chá que eu envio mais.

Com muito que estudar não é? Realmente, apesar de não
fazer uma ideia aproximada das dificuldades e maneira
como se processa a coisa, acho que tens aí muito
que trabalhar e "debulhar", tu e as outras, para conse
guirem realizar um trabalho desse género e dessa
maneira. Dizes-me que tem de ir aos Serviços Topo
gráficos do Exército para vos emprestar cartas topográficas.
Só te digo é que os levantamentos topográficos do
país que o Exército tem, datam de 1937, de manei
Fl. [2]r
ra que estão muito desactualizadas! E não me consta que haja
mais recentes! Mas há falta de melhor
talvez esses vos sirvam.

Querida [N] fico impressionado como con
segues passar meses sem ver televisão, cinema e
passear. Isso só te faria bem se o fizesses de vez em
quando. O problema da companhia é realmente im
portante mas não é insolúvel. Por exemplo diz ao
António, quando quiseres ir à televisão, que ele
vai buscar-vos a casa. Eu acho que só farias
bem de vez em quando variar de, pois isso
causa-te imenso psicológicamente. E [...] de
vez em quando há tempo, arranja-se. Tens de sair
de vez em quando dessa vida quase conventual.
Fiquei aborrecido com o que me contas sobre a
minha mãe, sobre o ela ter lido a carta do [N] e
saber da minha ida para o Norte. Realmente é um
aborrecimento que isso tenha acontecido. Eu correspon
do-me com o [N] e normalmente mandei-lhe
dizer que iria em Janeiro para o Norte, e não
lhe pedi para ele não dizer nada, primeiro por
que nunca pensei que ele escrevesse ao meu irmão e
segundo porque mesmo que escrevesse nunca me
passou pela cabeça que ele lhe mandasse dizer
aquilo.

A coisa precipitou-se dessa maneira. Embora eu
tencionasse dizer à mãe que ia para o Norte, mas
era só lá para o fim de Dezembro. Até lá dizia sem
pre que não. Assim embora não lhe diga já que vou,
vou no entanto preparando-a dizendo-lhe que
é uma hipótese. E deste sentido que lhe falo já
hoje no aerograma que lhe envio. Tu se ela te
disser alguma coisa ameniza o ambiente, como tu
Fl. [2]v
bem sabes.
Queria [N], quanto ao que me perguntas
sobre se, estando no Norte 12 meses eu irei ou
não passar as férias à Metrópole, ao fim de 1 ano
de comissão, digo-te o seguinte. Conto que sim,
até porque ao que me dizem é mais fácil
obter licença no mato do que no Regimento em
Luanda. Portanto, se Deus quiser e se tudo
correr normalmente em Julho ou Agosto ou
Setembro, ou Outubro, um desses meses eu irei
passar contigo, com a minha mãe, com o [N],
com os meus amigos e amigas, na minha [L],
30 diazinhos de férias que vão saber tão bem,
de mais a mais servindo de descanso ao fim
de alguns meses operacionais no mato e como
preparação para os restantes.

Ainda se continua sem saber quando vamos
para cima e para onde vamos. Mas segundo
se ouve dizer a data rondará os meados de
Janeiro e o local deverá ser Nova Caipemba.
Vamos ver se algumas destas coisas de se con
firmam. Por agora não passam de boatos.
Mas seja como for o que é preciso é a
ajuda do Senhor. E eu confio muito n'Ele e
sinto-me forte.

A preparação do meu Pelotão cá continua. Ainda
hoje fomos todo o dia para os arredores de Luanda
em exercícios de aperfeoçoamento operacional.
Por hoje nada mais [N].

Como estão os teus pais? Dá-lhes muitos cum
primentos meus, assim como à [N], ao [N] e [N].
Adeus meu amor, estou sempre contigo, o teu

[N]




Contexto
Guerra Colonial



Palavras Chave

Tipo: expressão de pena
História: guerra colonial
Sociologia: família, saúde, religião, serviço militar




Suporte Material

Suporte: duas folhas de papel pautado de 32 linhas escritas em ambas as faces.
Medidas: 265mm × 155mm
Mancha Gráfica: quatro linhas em branco a separar a fórmula de endereço e o início do texto.




Créditos

Transcrição: Ana Guilherme
Revisão: Rita Marquilhas
Codificação DALF: Ana Guilherme
Contextualização: Joana Pontes




Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com