1967. Carta de amor de um alferes para a sua namorada. De Luanda para [Coimbra](concelho). FLY0071

FLY0071
Carta de amor de um alferes para a sua namorada. De Luanda para [Coimbra](concelho).

Data
18/11/1967

Referência Arquivística
N.A..
N.A., Coleção Particular, FLY0071, Fólios [1]r-v, [2]r-v

Resumo
O autor revela à namorada o local onde poderá ser colocado; também a questiona sobre a sua saúde e os seus estudos.

Local
Luanda

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Autor | Destinatário | Contexto | Palavras Chave | Suporte Material | Créditos


Texto

Fl. [1]r

Luanda

18 de Novembro de 1967

Querida [N]

Estou a escrever-te esta carta na sexta à noite, mas
dato-a de 18, precisamente porque só amanhã a
porei no correio.

Pedes-me [N] na tua carta para te dizer
o sítio para onde vou e para te contar tudo. Ainda não
sei ou melhor não sabemos ao certo para onde
irá a nossa companhia, nem quando. Mantém
se de pé as duas hipóteses de que te falei já,
Quimaria e Nova Caipemba, se bem que corra
a notícia de que iremos para Nova Caipemba.
Quando?, também ainda se não sabe, consta
também como já te disse que iremos fazer
já o período de instrução final, chamado IAO,
no Norte, mas de oficial não há nada. O que
há de concreto é o seguinte: amanhã acaba a
especialidade, a próxima semana é dedicada úni
ca e exclusivamente a preparação dos soldados
para as cerimónias e desfiles integrados no
Juramento de Bandeira, que é no sábado
dia 25. Lógicamente na semana seguinte
deve começar o IAO, mas de concreto nada.
Podes estar descansada que logo que saiba algo
mandar-te-ei dizer. Já disse que não te enco
brirei nada, às vezes até te digo coisas a mais
que não te devia dizer, porque só te vão prejudi
car. Tu bem sabes que és a única pessoa, daquelas
que junto de quem eu queria estar, para quem posso
falar e tenho falado contado tudo, mais tarde ou mais cedo.
Fl. [1]v
Tu és a minha confidente, tu estás sempre disposta
a ajudar-me e a rezares por mim e eu preciso
sempre de estar a recorrer a ti, preciso muito de ti.
Queria, meu amor, t poder estar a contar-te tudo
e a dizer-te tudo ao vivo, mas é impossível.
No entanto para iludir e mitigar esse desejo,
quantas vezes a minha boca e os meus lábios
traduzem cá para fora aquilo que desejava
dizer-te, imaginando-te junto de mim.
E cá longe, converso contigo, com a minha mãe
e com o meu irmão. É para vós que vai o meu
pensamento, é para vós que vai o meu coração,
em todos os momentos de recolhimento e solidão,
especialmente naqueles em que estados de espí
rito menos optimistas se apoderam de mim.
É compreensível e é humano!

Eu posso ocupar-me com a instrução, eu posso
divertir-me com qualquer coisa, eu posso est ir ao
cinema, jogar futebol, ir à praia, passear, eu
posso estudar ou rezar, mas o ponto central
do meu pensamento sois sempre vós. Não
digo que sou demasiado, e vivo demasiado
agarrado à saudade de vós, mas sou-o e
vivo-o muito.

Olha eu cá ando de boa saúde, graças a
Deus. A disposição também não é má.
Sinto-me bem físicamente. Na próxima
terça-feira vou novamente ao Hospital Militar
na continuação do tratamento dos dentes.
Con certeza que devo arrancar mais alguns, é
uma limpeza geral. Fico mesmo velhinho!
De certo quando aí for de férias ainda não
terei posto os dentes e até vais fugir de mim!
Fl. [2]r
Então e tu como andas? Cheia de trabalho coitadi
ta. Dizes-me na tua carta que quando aí for te
irei ver ao manicómio. Não brinques [N],
com coisas sérias. Não há razão nenhuma para
falares assim. Tu aguentas o que é preciso é alimen
tares-te bem, evitares todos os esforços desnecessários e
teres método.

Olha lá o estômago tornou-te a doer? Manda-me
dizer se já acabaste o chá, para eu te enviar mais,
enquanto estou em Luanda. Um colega meu vai
agora para a Metrópole, porque acabou a comis
são e eu mando por ele, está bem?

Então e a tua gripe? Já passou? Tiveste febre?
Tem cuidado com essas mudanças de temperatura,
correntes de ar, etc porque tu és muito sensível,[N].

Olha eu por exemplo é que não ligo nada a isso.
Nem podia sequer. Ainda na quarta-feira aqui apesar
do calor, choveu torrencialmente durante uma
manhã. Pois durante quase duas horas an
dámos debaixo de chuva na aplicação mili
tar. Chegámos ao fim que nem um bocadinho da farde es
tava limpo era tudo uma pasta de lama e água!
E não há quaisquer problemas. Quando tirei os den
tes nem sequer uma vez desinfectei com o quer que
fosse, e já estão cicatrizados. Nós, e isto é autêntico,
depois de tantas coisas, instruções, etc que fazemos,
chegamos a um ponto que desprezamos completa
mente qualquer comodidade ou cuidados especiais.
O que interessa é a máquina ir funcionando!
Isso das aulas de Teologia começar à mesma
hora que acaba a aula anterior e obrigar-nos a
corridas para ir assistir é que não está certo. Já puse
Fl. [2]v
ram o problema à Directora? Ninguém com dois dedos
de inteligência pode permitir que isso assim conti
nue.

Ainda bem que tens gente de valor ao teu lado,
a frequentar as mesmas aulas. É um incentivo para
ti. Conheço bem o [N] de que me falas, é
somos muito amigos. É de [L]. Olha
se falares para ele dá-lhe os meus cumpri
mentos. Ele é um rapaz excepcional, fez o curso
comigo e pertence à MOJAF. Deve estar talvez
no ou ano de Enge Química.

Não me digas isso [N] que não chegas ao
fim, com tanto trabalho. Não desanimes, tem
muita calma. Vai fazendo o que puderes. Eu
estou a teu lado, ofereço todos os meus dia-dia
por ti. Tem muita calma, muita fé e
não desanimes. Conseguirás, se Deus quiser,
o teu objectivo, que é meu também.

Olha sobre o assunto dos Furriéis de que
te falei numa carta. Falei hoje mesmo
com eles, e acho que lhes disse tudo o que
tinha a dizer e só o que tinha a dizer. Vamos
a ver como procederão daqui em diante.
A reacção foi calarem-se. Nada disseram.
Olha mando-te junto uma foto, de muitas
que tirei na viagem a Salazar. Irei enviando.
Essa foi um parque chamado o Parque Flores
tal do Quimbolo, que é maravilhoso.

Por hoje nada mais. Cumprimentos meus aos
teus pais, [N], [N], [N] e moças ami
gas. Para ti o meu amor e a minha sau
dade. Adeus [N], estou sempre contido, o só
teu

[N]




Contexto
Guerra Colonial



Palavras Chave

Tipo: notícias
História: guerra colonial
Sociologia: serviço militar, intimidade, saúde, comunicação




Suporte Material

Suporte: duas folhas de papel pautado de 32 linhas escritas em ambas as faces.
Medidas: 265mm × 155mm
Mancha Gráfica: três linhas em branco a separar fórmula de endereço e o início do texto.




Créditos

Transcrição: Ana Guilherme
Revisão: Rita Marquilhas
Codificação DALF: Ana Guilherme
Contextualização: Joana Pontes




Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com