FLY2099 Data Referência Arquivística Resumo Local Cartas relacionadas Download XML Download em formato PDF |
Sobrescrito
Destinatário
Exmo Senhor Remetente
Remete Texto Fl. 1 (1a parte) França Meus queridos paes do coração. Os meus mais ardentes votos é que ao receber desta minha cartaestejam na posse duma perfeita e felis saude assim como meus queridos manos, eu bem felismente. Meus queridos paes. Em vistas de lhe escrever uma carta hontem á noite a qual não seguio devido ao portador se demorar mais um dia, torno-lhe a escre ver outra, hoje com mais vagar. Hontem, como lhe disse na primeira carta, ouve aqui grande bombardiamento o qual fez muitos estragos e agumas mortes, mas pela minha parte não ouve novidade. Eu já sabia que não me acontecia mal, porque tenho mada- do ler a minha sina e dis-me o seguinte: muito tempo em guerra e morrer na patria; ahi está o motivo porque eu nunca me preocupo com estas cousas e estou sempre fixe. Meus queridos paes: em vistas disto tambem devem ficar satisfeitos e nunca perderem a esperança de me ver, porque algum dia será; tenho sido felis e hei de ser até ao fim. O que tive mais á contra fôe a doença que me deixou muito atrapalhado, mas como adoeço em França, tão bem adoeço em Portugal, assim o mal venha não á mais remedio que é aceitar-se. Como esta, esta carta vae por mão propria, vou-lhe dar a discrição da minha doença, o que não lho podia explicar pelo correio militar. Estive 45 dias dias no hospital; esse hospital era Inglez porque na ocasião não avia vága nos hospitaes portugueses; álem da minha enfelecidade tambem tive muita sorte, pôis fue tratado com zelo e carinho. As inglezas como enformeiras, tratavan-me com o mais quidado possivel, o que eu não enco- ntrava num dos hospitaes portugueses, pelas enformas que tenho. Nestas ocasiões de forma alguma me podia esquesser de meus queridos paes, devido á minha situação e de me lembrar Fl. 2 os trabalhos que passaram para me criar e mais tarde ser robado dos vossos seios e estar sujeito a sofrer tudo a dtodos os canalhas... isto é duro! Enfim. A respeito da minha doença, quando ahi for lhe explico milhor; eram febres e mais algumas cous- as: escapei porque estou guardado para maiores tormentos. Vou contar a minha mãe mais um motivo, porque não tenho ido de licença; não é porque eu não tenha direito, que já tenho direito a 3 licenças, porque já conto 18 meses de campanha, mas é outro caso. Em campanha fazen- se injustiças como se fazem em Portugal, as quais têem-se que gramar e calar a bôca. Aqui da minha formação foram muitos sargentos de licença, assim como de todas as outras e nem mais cá voltaram: nós aqui não básta temos muito trabalho porque somos poucos, como tambem não podemos ir de licença por fazer falta ao serviço. Isto agradese-se ao senhor ministro da guerra, porque nem só não rende a jente, como tambem não torna a mandar os que vão com licença: isto é proprio do governo Portuguez que nunca o fez por menos; faz do direito torto, e do torto direito. Eu não falo só por aquele que lá está, falo por todos os outros. É uma sússia de canalhas que só pençam em robar e não se lembram daqueles que vivem na amargura á 18 meses, separados de suas familias e dando a ulti- ma pinga de sangue pela sua patria. Nós que estamos em França, somos tão portugueses como os outros que lá estão; sacraficamos á tanto tempo, equanto que os outros, estão ahi descançados cheios de alegria e de saude e nos aqui cheios de mal e de paixão e não á caridade não á zelo, não á olhos mesercordiosos que vejam estas cousas. Encontramos aqui ao alado de Inglezes, Franceses Americanos, Belgas etc etc etc, em nenhum desses exercitos se vê o que se vê no exercito Portuguez não é assim que se paga aos amigos da sua patria. Fl. 3 Pelo geito que vejo e pelo que me dizem, só lá irei para os meses de Novembro ó Dezembro, não avendo alguma coisa á contar: não valae a pena estarem a fixar datas para a minha chegada, porque então ainda mais lhes custa: tenham passiensia e conformen-se com a sorte que Deus me deu: convensam-se que o mais projudi- cado sou eu e com tudo eu cá vou indo. As horas que mais sôfro são aquelas em que me lembra minha familia, minha mossidade e liberdade lib Nessas horas até quido de estalar de paixão, vingo-me em chorar assim como muitos meus colegas, mas não temos outro remedio que é disfarçar-mos uns com os outros. No dia em que recebi as voças fotografias, não calculam o abalo que me deu, ao ver aqueles que tantos beijos me deram e tantos tormentos passaram para me criar e encontrar-me lonje e muito lonje, onde nem o menos lhe posso mandar dizer o que sinto: por este momento posso eu calcular o que será, um dia que tenha a dita de vos abraçar: ó como serei feliz. Ourt Outro assunto. Peço a meus paes que nunca ponham selos nas cartas que me escrevem, porque vêem cá têr da mesma forma, portanto evitam essa despesa. Eu não lhe tinha já mandado dizer, porque não me deixavam seguir a carta. Tãobem lhe peço que não estejam muito tempo sem me escrever, pôis não calculam; o tempo que não recebo correspondencia, é o que mais me custa: eu escrevo sempre que possa: mando-lhe dizer pouca cousa porque não lhe posso dizer mais. - A respeito da encomenda de meis, até á data não recebi, assim receba lhe mando dizer. Já não quero que me mandem mais nada, para encómados baste. Se for algum dia de licença, felismente tenho o dinheiro para as passa- jens e para comprar um fato á paisana, para atrave- ssar a Hespanha. Aqui nunca se me acabou dinheiro. Se lhe mandei pedir algum a meus paes, fôe para me tratar quando sahi do hospital, que se não fizesse um tratamento especial, não tinha resestido. Fl. [4] Peço a meus queridos paes que assim estas cartas recebam me escrevam e me mandem dizer o seguinte. Receber-mos as duas cartas grandes: assim já eu fico sabendo que receberam: não quero mais explicações pode avêr alguma acusação. - Por hoje vou terminar esperando que me escrevam muitas veses. Tãobem lhe peço desculpa das cartas irem mal escritas, pôis são trabalhos feitos de nôite que de dia não á vagar. Muitos abraços aos meus manos, beijinhos ao [N] e ou [N]; muitas recomendações a toudos os meus tios e tias, primos e primas, a todos os rapases e raparigas do meu tempo, a todas as pessoas que por mim pergu- ntam e a toda a nossa vesenhança. Meus queridos paes recebam uma vid viva saudade e um grande Abraço deste seu querido filho que jámais [N] P.S.A minha direção é a seguinte. [N] no [D] sargento no [D] de Administração Militar. C.E.P. D.B.A.P. [D] C/o B.E.F. França Façam como têm feito que vem em boas condições Adeus até um dia mais vale tarde que nunca. Contexto I Guerra Mundial Notas Esta carta aparece parcialmente trancrita em: Marques, Isabel Pestana (2008), Das Trincheiras com Saudade - A vida quotidiana dos militares portugueses na Primeira Guerra Mundial, Lisboa, A Esfera dos Livros, pp.241-242, 251. Palavras Chave Tipo: notícias Suporte Material Suporte:
uma folha de papel de carta pautado de 34 linhas dobrada e escrita em todas as faces; no envelope está carimbado: OUVERT, 369, Par l' Autorité Militaire.
Créditos Transcrição: Mariana Gomes Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com |
|