1973. Carta familiar de um militar graduado para os pais. De [Nampula] para Ponta Delgada. FLY2256

FLY2256
Carta familiar de um militar graduado para os pais. De [Nampula] para Ponta Delgada.

Data
25/05/1973

Referência Arquivística
N.A..
Arquivo Privado, Arquivo Privado, FLY2256, Fólios [1]r, [2]r

Resumo
Carta do filho aos pais contando a mudança de comandante e a morte de uma amiga num naufágio perto de Timor. Comenta o quotidiano em Nampula e notícias que recebeu dos Açores. Menciona de forma elítica uma encomenda que mandou à mãe, uma peruca.

Local
Nampula

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Autor | Destinatário | Contexto | Palavras Chave | Suporte Material | Créditos


Sobrescrito

Destinatário

Exmo SR
DR [N]
RUA [L] [D]
PONTA DELGADA - S MIGUEL
AÇORES
PORTUGAL METROPOLITANO



Texto

Fl. [1]r

MAIO/73

25

Meus queridos pais

A meio de mais uma manhã de Intendência, cá
vão as notícias. Tudo tem corrido dentro da
pacatez habitual desde o trabalho às diversões
Hoje apresentou-se o novo sub-chefe, um tenente
coronel que já cá andou como major e que
é na verdade muito mais simpático do que
o "malfadado" Ten cor [N]. Ontem fui à
1a Repartição do Quartel General saber do meu
substituto e em que ponto vai a sua nomea
ção: ficaram de me dar hoje a resposta
para depois entrar em contacto com o
[N] marido da [N] que trabalha
na Repartição de oficiais do Ministério do Exér
cito. Entretanto a temperatura vai muito agra
dável: há um ventinho que sopra fresco
durante o dia e à noite chega mesmo a
fazer frio que até apetece andar de "pullover"
Muito impressionado fiquei (já há uma semana)
quando soube do naufrágio do barco lá para
os lados de Timor e li o nome da [N]
[N]: foi uma notícia que me
estragou o passado fim de semana. Qual
será a morada dos pais e dos sogros
para mandar um cartão?
É com certa curiosidade que aguardo. a
próxima carta a fim de saber em que
ponto é que vai o "nosso" assunto (sem
pre muita discrição). Agradou? não agradou?
a cor? o tamanho; a mamã já perdeu os
Fl. [2]r
as vergonhas e sente-se à vontade. Sobre a
cor é que tenho as minhas duvidas porque
fiquei com a impressão de que era escuro
demais; enfim, em qualquer altura se pode
modificar e dar a tonalidade preferida.
Tenho recebido alguns jornais com as notícias
da terra, o que além de ser curioso é
uma forma de matar as saudades.
Ainda não tive oportunidade de telefonar
ao irmão da D [N]. ele já estará
cá em Nanpula: vamos a ver se o faço
amanhã á tarde para o prédio da força
aérea; irá dar um jantarzinho de "borla"? es
pero que sim.
O Ten [N] falou-me nuns disturbios pro
vocados por estudantes aí em Ponta Delgada - será
verdade ou "aleivos" levantados pela mulher;
disse-me que tinham partido carros na
Rua do Passal e Rua Margarida de Chaves.
Parece que no dia 9 de Junho há uma
festa de meninos e meninas em casa
do General [N] - o adjunto do [N]
[N]; claro que a festa é dada
pelos filhos com quem o grupo (o nosso) já
travou amizade.
Por agora é tudo. fico a aguardar
noticias. A avó como está?
Beijos com saudades

[N]




Contexto
A guerra colonial, também chamada guerra do ultramar ou de libertação, consoante a posição assumida face à sua legitimidade, começou em 1961 e terminou em 1974 na sequência de um golpe militar, desencadeado no dia 25 de Abril, que derrubou a ditadura chefiada por Marcello Caetano. Durante 13 anos as forças armadas portuguesas combateram os movimentos de libertação dos territórios africanos de Angola (MPLA, UPA/FNLA, UNITA), Moçambique (FRELIMO) e Guiné (PAIGC). Pode caracterizar-se como tendo sido uma guerra de guerrilha que causou um grande desgaste nas forças armadas. Os militares enfrentavam forças ligeiras nativas, com grande mobilidade, apoiadas do exterior e vivendo na clandestinidade, muitas vezes misturadas com a população.
Os antecedentes desta guerra remontam ao ambiente de mudança pós II Guerra Mundial. A vitória dos Aliados e a generalização dos valores democráticos criou condições nas colónias para o crescimento dos sentimentos nacionalistas que puseram em questão a dominação colonial das potências europeias.
A ONU surge em 1945 nesse ambiente. No artigo 73 do Capítulo XI da sua Carta estabelecem-se princípios e obrigações dos países administrantes de territórios não autónomos. São assim consignados os direitos dos povos colonizados à autodeterminação e independência. Portugal é admitido na ONU apenas em 1955, após um entendimento entre os EUA e a URSS. Desde o início, o governo português é pressionado no sentido de preparar a independência das suas colónias. No entanto, Salazar, Presidente do Conselho, não vê razões para negociar argumentando que Portugal não tem colónias mas províncias ultramarinas, e que estas são parte integrante do território português.
A guerra em Angola tem início em Março de 1961, com uma acção da UPA no norte que resultou em violentos massacres contra a população civil que habitava e trabalhava nas fazendas. O ataque do PAIGC ao quartel de Tite, em Janeiro de 1963, marca o início da guerra na Guiné. Em 1964 o conflito alastra a Moçambique com o ataque da Frelimo à localidade de Chai em Cabo Delgado.
No início da guerra em Angola, os efectivos militares eram reduzidos e estavam mal armados e equipados. A partir daí e até 1974 irão ser constantemente reforçados. Mas a contestação à guerra vai sentir-se nos números. Basta referir que em 1971, por exemplo, o número de faltosos à inspecção está acima dos 20% do total de recenseados.
No fim da guerra, em 1974, a situação militar em Angola era considerada sob controle, o que não acontecia na Guiné e em Moçambique. A Guiné declarara a independência unilateral em 14 de Setembro de 1973 e é reconhecida por cerca de 80 países pertencentes à ONU. Em Moçambique a situação não deixará de se agravar, com o avanço da Frelimo para zonas cada vez mais perto da Beira, expandindo a sua acção em redor da barragem de Cabora Bassa e ameaçando separar o norte do sul do território.
Do lado português há a registar cerca de 8300 mortos cujos nomes se encontram num monumento situado em Belém. O número de grandes deficientes é de cerca de 15600 mas o número total será muito superior. Estiveram envolvidos cerca de 600 mil militares da metrópole ou 800 mil, se considerarmos a incorporação militar dos territórios africanos.
Esta guerra exigiu um grande esforço financeiro a Portugal, acentuado pela longa duração e pela dispersão por 3 vastos territórios, condicionou as prioridades do Estado e alterou a estrutura da despesa pública.
O regime manteve uma grande rigidez ao não procurar uma solução política para a guerra e ao não aceitar o tratamento de cada caso de forma diferente.
A emergência da guerra fria e o alinhamento do mundo em dois blocos liderados pelos EUA e URSS, levou à disputa das respectivas zonas de influência, o que possibilitou um apoio sistemático aos movimentos de libertação existentes nas colónias.



Palavras Chave

Tipo: notícias
História: Guerra Colonial




Suporte Material

Suporte: duas meias folhas de papel branco de tamanho A4 escritas no rosto.
Medidas: 278mm × 200mm
Medidas do Envelope: 114mm × 163mm
Mancha Gráfica: sem linhas em branco entre a fórmula de endereço e o início do texto.
Nota: o selo foi rasgado do envelope. O envelope tem um carimbo que contém: 28.5.73, E.P.M. - 24.




Créditos

Transcrição: Mariana Gomes
Revisão: Rita Marquilhas
Codificação DALF: Mariana Gomes
Contextualização: Joana Pontes




Discorda da nossa leitura? Por favor escreva-nos: cardsclul@gmail.com